Sobre a leitura da Bíblia, antes de
qualquer consideração, é necessário observar que Hobbes é um homem de Ciência.
Ele afirma que a verdade se deduz da razão, dos sentidos e da experiência e
considera a razão natural um sinônimo da “palavra indubitável de Deus”, afirmando
que “não convém renunciar aos sentidos e à experiência, nem àquilo que é
a palavra indubitável de Deus, nossa razão natural”.[1]
Para Hobbes a Bíblia tem uma finalidade, qual seja,
ela “foi escrita para o restabelecimento do Reino de Deus em Cristo”. [2] Em sua leitura da
Bíblia ele afirma que não pretende adiantar opiniões próprias, mas sim, de
acordo com suas próprias palavras: “Mostrar quais são as consequências que me
parecem dedutíveis dos princípios de uma política cristã (que são as Sagradas Escrituras)
em confirmação do poder do soberano civil e do dever de seus súditos”.[3]
E contra
a hermenêutica eclesiástica, feita tendo em vista o que era proveitoso para a
Igreja, Hobbes assim expõe sua forma de abordagem do texto bíblico:
Na alegação das Escrituras
tentei evitar aqueles textos que são de uma interpretação obscura ou
controvertida, e só alegar aqueles cujo sentido é mais simples e agradável à harmonia e finalidade de
toda a Bíblia, que foi escrita para o restabelecimento do Reino de Deus em
Cristo. Pois não são as palavras nuas, mas sim o objetivo do autor que dá a
verdadeira luz pela qual qualquer escrito deve ser interpretado, e aqueles que
insistem nos textos isolados, sem considerarem o desígnio principal, nada deles
podem tirar com clareza, mas antes jogando átomos das Escrituras como poeira
nos olhos dos homens, tornam tudo mais obscuro do que é, artifício habitual
daqueles que não procuram a verdade, mas sim suas próprias vantagens.[4]
E assim Hobbes, limpando a poeira
dos olhos de seus leitores, encontrará nas Escrituras razões para a submissão
de qualquer instituição ao Soberano Civil ou, simplesmente, ao Soberano.
Observemos então alguns elementos da leitura hobbesiana da Bíblia em relação à
soberania civil, começando por falar de suas contribuições à Crítica Bíblica,
isto é, para o estudo da história da formação dos
textos, principalmente os do Antigo Testamento, que são de mais difícil
explicação.
Em relação à data de redação dos textos bíblicos, Hobbes
faz diversas observações, enfatizando, contudo, a afirmação de Gênesis 12:6: “Atravessou
Abrão a terra até Siquém, até o carvalho de Moré. Nesse tempo os cananeus
habitavam essa terra”. A tradução da
qual ele dispunha, a King James, de 1611, diz: “And Abram passed through the
land unto the place of Sichem, unto the plain of Moreh. And the Canaanite was
then in the land”.[5]
De acordo com Aloysius P. Martinich,
Hobbes insiste no fato de que a afirmação de que os cananeus habitavam a terra
era uma evidência da redação do texto “longo tempo após os fatos”.[6]
Sobre o Pentateuco em seu todo,
Hobbes, contrariamente aos que dizem que Moisés nada escreveu do Pentateuco, ou
que ele o redigiu em sua totalidade, afirma que “ele escreveu tudo o que aí se
diz que escreveu”, isto é, aquelas afirmações do texto que dizem claramente que
Moisés escreveu são por Hobbes consideradas como fidedignas.[7]
Por
outro lado, no sexto livro do AT, o de Josué, encontra-se uma afirmação que
mostra a sua interação e continuidade com o Pentateuco, o que possibilita uma
ampliação do conceito de “Livros da Lei”, a partir da afirmação de que "Josué
escreveu estas palavras no livro da lei de Deus". [8]
Ainda sobre a data de redação dos textos bíblicos, Hobbes
cita passagens dos Livros de Juízes e
de Rute que demonstram que os mesmos foram escritos muito tempo depois dos
fatos narrados. [9]
E sobre o Livro de Juízes ele destaca a seguinte afirmação para confirmar sua
tese de que o texto é posterior ao cativeiro babilônico: “Os filhos de Dã
levantaram para si aquela imagem de escultura; e Jônatas, filho de Gerson, o
filho de Manassés, ele e seus filhos foram sacerdotes da tribo dos danitas, até
ao dia do cativeiro do povo”. [10] Esse trecho assim
aparece na King James: “And the children of Dan set up the graven image:
and Jonathan, the son of Gershom, the son of Manasseh, he and his sons were
priests to the tribe of Dan until the day of the captivity of the land”.
No Livro de Juízes, além disso, encontra-se uma afirmação
que, ao mesmo tempo em que confirma sua redação posterior, serviria como
referência a Hobbes para justificar a necessidade da instituição do soberano
civil diante do estado de natureza, no qual, não havendo lei, não havia
injustiça, e de fato, cada um poderia fazer o que melhor lhe parecesse,
conforme o célebre Cap. XIII do Leviatã.
A afirmação bíblica que mostra um autêntico estado de natureza é a seguinte: “Naqueles dias não havia rei em Israel: cada qual fazia o
que achava mais reto”. [11]
Quanto ao Livro de Rute, logo em sua abertura é evidente o
caráter posterior de sua redação em relação aos fatos narrados, pois o texto
diz: “No tempo em que julgavam os juízes”. [12] A
rigor, os Livros de Josué, Juízes e Rute integram uma narrativa sobre um
período que tem ligações claras. O início de Juízes refere-se à morte de Josué
e demonstra que Israel então se encontrava sem uma liderança definida, havendo
mesmo a necessidade de se fazer uma consulta ao Senhor para saber quem subiria
a lutar contra os cananeus. [13]
Sobre
as fontes utilizadas pelos autores das Escrituras, Hobbes observa que o próprio texto menciona várias delas, tais como:
o Livro das Guerras do Senhor, o Livro dos Justos, o Livro das Crônicas de
Natan, o Livro das Crônicas de Gade, o Livro da História de Salomão, o Livro da
História dos reis de Israel, o Livro da História dos reis de Judá. [14] A
rigor, a pluralidade das fontes do texto bíblico evidencia-se desde o próprio
Gênesis, onde já se usa o termo
“livro” em seu quinto capítulo, que diz: “Este é o livro da genealogia de Adão”.[15]
Quanto à definição do Cânon do AT, Hobbes
afirma que “todas as escrituras do Antigo testamento foram postas na forma que
possuem após o regresso dos judeus do cativeiro em Babilônia, e antes do tempo
de Ptolomeu Filadelfo”. [16] E
reconhecendo, como o recomendava a Igreja Anglicana, que os livros apócrifos
são “proveitosos para nossa instrução” e que, se em relação à forma final do Antigo
Testamento eles merecem crédito, ele conclui que “as Escrituras foram postas na
forma que as conhecemos por Esdras”. [17]
A
questão da formação dos textos bíblicos, do que é canônico para os judeus,
católicos e protestantes leva-nos a perguntar pela essência mesma da palavra de
Deus. Por isso, Aloisyus P.
Martinich, com razão, afirma ser difícil saber o que é autêntico na Bíblia: “I
think that it would be difficult, if not impossible, to make all the passages
in the Bible consistent.[18]
Hobbes, portanto, ao lado de Erasmus e de Espinosa, foi um
dos grandes filósofos a contribuir para a crítica do texto bíblico e para o
conhecimento da história de sua formação e edição.
A interpretação hobbesiana da Bíblia
em relação à natureza do poder soberano pode ser vista como uma necessidade de
seu contexto cultural, religioso e político, pois depois de tratar do Homem e
do Estado com base em princípios racionais da Filosofia Civil, afirma no Leviatã, conforme citamos noutra parte
deste trabalho:
... Mas supondo que estes meus princípios não sejam princípios
racionais, tenho, contudo, a certeza de que são princípios tirados da
autoridade das Escrituras, como mostrarei quando falar do Reino de Deus
(administrado por Moisés), sobre os judeus, seu povo dileto por meio de um
pacto. [19]
Antes de escrever o Leviatã, porém, o recurso às Escrituras
aparece logo no Prefácio da
obra Do Cidadão, quando ele, em defesa de sua antropologia, a qual fora
criticada por Descartes, que a considerava extremamente negativa, afirma que,
admitindo-se a existência do temor e da desconfiança mútuos entre os países e
os cidadãos, alguns farão objeção, contra o que ele busca nas Escrituras a
corroboração de sua antropologia negativa, afirmando: “... Se este
princípio for admitido, necessariamente se seguirá não apenas que todos os
homens sejam perversos (o que, embora talvez pareça rigoroso, devemos, porém,
reconhecer, já que é proclamado com tanta clareza pela Santa Escritura)”.[20]
Dentre as abundantes citações da Bíblia em sua obra,
observamos que a importância desse recurso argumentativo e persuasivo aparece
de forma explícita quando ele compara os Dez Mandamentos aos deveres civis e
aos direitos do soberano representante, no Cap. XXX do Leviatã, do que passaremos a tratar a seguir. [21]
Em relação aos quatro primeiros mandamentos, que dizem
respeito aos deveres para com Deus, a súmula da comparação estabelecida por
Hobbes entre o Reino de Deus pelo pacto com os judeus e o poder do soberano
civil pelo consentimento dos homens encontra-se na seguinte afirmação:
A primeira tábua dos mandamentos é toda gasta (sic) em enumerar a
soma do poder absoluto de Deus, não apenas como Deus, mas como rei por pacto
(em especial) dos judeus; e pode, portanto, iluminar aqueles que receberam o
soberano poder por consentimento dos homens, a fim de verem que doutrina devem
ensinar a seus súditos. [22]
De acordo com Hobbes, no dia do
sábado o povo era ensinado sobre os deveres para com Deus, que compreendem os
quatro primeiros mandamentos, quais sejam: 1) não ter outros deuses diante do
Deus único; 2) não fazer para si imagens de escultura, não adorá-las, nem lhes
prestar culto; 3) não tomar o nome do Senhor Deus em vão; 4) lembrar-se do dia
de sábado, para santificá-lo. Nesse dia os mais velhos seriam lembrados, e as
novas gerações seriam ensinadas, a respeito dos deveres diante de Deus, do
resgate do povo da escravidão, da necessidade de adorá-lo exclusivamente, de
não tomar o seu nome em vão e de santificar o dia de sábado.[23]
Semelhantemente, o povo era instruído sobre os deveres
civis, os quais compõem a segunda tábua dos mandamentos. Essa segunda
tábua dos mandamentos, portanto, diz respeito aos deveres civis.
A partir do
quinto mandamento as tábuas da lei tratam dos deveres para com o próximo e
Hobbes coloca em primeiro lugar a vida e os membros do corpo, afirmando que
“entre as coisas tidas em propriedade, aquelas que são mais caras ao homem são
sua própria vida e membros”.[24] Assim, o caráter absoluto
do poder é deduzido da necessidade de preservação da vida, pois “se os direitos
essenciais da soberania forem retirados, o Estado fica por isso dissolvido, e
todo homem volta à condição e calamidade de uma guerra com os outros homens
(que é o maior mal que pode acontecer nesta vida)”.[25]
Na
sequência dos deveres para com o próximo, o quinto mandamento trata da honra ao
pai e à mãe, enquanto do sexto ao oitavo trata-se da preservação da propriedade
do próximo (não matar, não adulterar, não furtar), cujo respeito é garantido
pela autoridade do soberano. O nono diz respeito à calúnia, proibindo o falso
testemunho contra o próximo. O décimo trata dos desígnios e intenções de
praticar os atos injustos, proibindo a cobiça de qualquer coisa que pertença ao
próximo, pois a injustiça “consiste tanto na depravação da vontade como na irregularidade
do ato”.[26]
Por isso, o só cobiçar já é injusto. E assim a súmula da segunda tábua é assim
definida por Hobbes:
Esta
é a intenção do décimo mandamento (“Não cobiçarás”), e a súmula da segunda
tábua, a qual toda ela se reduz a esse mandamento de caridade mútua, Amarás a teu próximo como a ti mesmo,
assim como a súmula da primeira tábua se reduz ao amor a Deus, que então tinham recebido havia pouco tempo como seu
rei.[27]
Assim, o número de deveres para com
o próximo ocupa 60% dos dez mandamentos, isto é, a vida civil ocupa a sua maior
parte. Talvez Hobbes não tenha argumentado sobre isso, mas seu pensamento
permite aduzir que, de fato, os deveres para com Deus são mais resumidos, o que
aparece de forma ainda mais breve no Eclesiastes: “De tudo o que se tem ouvido,
a suma é: teme a Deus, e guarda os seus mandamentos; porque isto é o dever de
todo homem”. [28]
Outra suma é feita por Cristo, ao dizer: “Dai, pois, a César o que é de Cesar,
e a Deus o que é de Deus”. [29] E nessa
afirmação, César pode ser interpretado
como a soberania, não um governador, rei ou imperador específico, mas a
instituição do Estado enquanto tal.
De tal modo que, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento
encontram-se sínteses do que é devido a Deus, ficando o poder religioso, de fato,
em crise, com seu conjunto de formas de controle social, diante da síntese que
Hobbes propôs sobre a salvação, isto é, que “Jesus é o Cristo”, com base na
confissão de Pedro e no Credo Niceno.
E Hobbes começa a falar da soberania
absoluta logo na ilustração da capa de sua obra mais conhecida, colocando como
primeira mensagem a afirmação do Livro de Jó, a qual aparece em forma de
inscrição, para que todos leiam: Non
est potestas super Terram quæ conparetur ei – Job 41.24. [30]
Assim, ele estampa ao leitor sua mensagem essencial, usando
as Escrituras de uma forma diferente da costumeira, interpretando-as, agora,
contra a instituição que até então a usara como uma fortificação avançada para
impugnar o poder civil. Eis o homem que usa a arma dos inimigos e a volta
contra eles, usando uma metáfora das Escrituras de forma livre, para ilustrar
ao homem de seu tempo que o poder civil é soberano.
A
seguir, pois, expomos a interpretação que Hobbes faz de alguns textos bíblicos,
como parte da sustentação de sua argumentação sobre a soberania absoluta, tendo
como ponto de partida a obra Do Cidadão.
[31]
Em relação à
instituição da monarquia em Israel, verificamos que nessa obra Hobbes faz uma releitura da História desse povo,
mostrando a evolução de suas instituições políticas e religiosas. De acordo com
essa leitura, após um período em que Moisés deteve o poder civil e o religioso,
os sacerdotes passaram, após a sua morte, a exercer o segundo, vindo enfim a
Monarquia em Israel, a partir de Saul.
A afirmação de Êxodo 19: 6: “Vós me sereis
reino de sacerdotes e nação santa”, é utilizada por Hobbes como base para a
afirmação da tese de que Israel foi um reino sacerdotal, desde Moisés até o rei
Saul, quando então, de acordo com a narrativa do I Livro de Samuel, o povo de Israel
rejeitou o Reino de Deus. Nesse aspecto, observa-se a importante observação de
Hobbes, com abundantes citações bíblicas na obra Do Cidadão, de que o Reino de Deus ainda não veio, o que se dará quando
Cristo entregar o reino a seu Pai.[32] E tanto
na obra Do Cidadão quanto no Leviatã, Hobbes assim interpreta o Reino
de Deus.
Outro
texto que serve de base a Hobbes para fundamentar suas ideias sobre o reino
sacerdotal em Israel é também do Êxodo, que afirma:
Todo o povo
presenciou os trovões e os relâmpagos e o monte fumegante: e o povo,
observando, se estremeceu e ficou de longe. Disseram a Moisés: Fala-nos tu, e
te ouviremos; porém não fale Deus conosco, para que não morramos. O povo estava
de longe em pé; Moisés, porém, se chegou onde Deus estava. [33]
Essas
afirmações são utilizadas por Hobbes para fundamentar sua tese de que o poder
de Moisés estava sob o poder de Deus, bem como que Moisés era seu lugar-tenente
e, como tal, portador da revelação, pois Deus não falava diretamente ao povo. Ciente
disso, Hobbes fundamenta sua negação da revelação direta de Deus aos homens, ou
seja, sem um mediador, até chegar, em sua argumentação, a afirmar que é o
soberano civil quem reconhece a religião, define o que é canônico, autoriza os
cultos públicos, enfim, é do soberano que procede a legitimidade da religião. Assim,
pois, Hobbes nega a autoridade do Papa como sumo pontífice em relação à
religião, afirmando a mesma em relação ao soberano.
Outro
texto relevante para a argumentação de Hobbes é o do Livro de Juízes, que
apresenta uma parábola sobre o governo, na qual se usa uma símile sobre árvores
que estão em busca de um soberano. De acordo com o texto, após a renúncia da
oliveira, da figueira e da videira ao reinado, cada uma alegando um motivo,
“todas as árvores disseram ao espinheiro: vem tu e reina sobre nós”. [34] Ao que o espinheiro aceitou, dizendo: “Se
deveras me ungis rei sobre vós, vinde e refugiai-vos debaixo de minha sombra;
mas, se não, saia fogo do espinheiro que consuma os cedros do Líbano”. [35] O texto de Juízes 9, na perspectiva
hobbesiana, por um lado apresenta a origem do poder na comunidade, e por outro,
o que é o principal para o filósofo, adverte sobre os perigos da desobediência
ao poder soberano e de sua principal e mais temível consequência, a guerra
civil, a qual Hobbes compara ao espinheiro mencionado na parábola, afirmando
que, ou se aceita a soberania absoluta, ou “estaremos preferindo ser consumidos
pelo fogo da guerra civil”.[36]
O Livro de Juízes é claramente posterior aos fatos
narrados, e descreve a fragilidade de um povo sem um lugar-tenente estável. A
cada crise com os inimigos, de acordo com a narrativa bíblica, Deus levantava
um juiz, que era também um guerreiro, um libertador, que em alguns casos
organizava um exército provisório, agia com poucos homens, utilizando
instrumentos de combate rudimentares, ou atuava sozinho, como o fizeram Eúde e
Sansão.
Politicamente, portanto, era uma situação precária, e a
sociedade, assim, ficava naquela situação de crise política e moral,
assim descrita pelo autor do Livro de Juízes: “Naqueles dias não havia rei em
Israel, cada qual fazia o que achava mais reto”. [37]
Isso deixava
os homens numa situação semelhante ao estado de natureza e, em tais condições,
a instituição da monarquia se deu por necessidade da própria sociedade, pois até
então não havia uma autoridade soberana definida que garantisse a paz, mas a
liderança era carismática. Esse Livro, tão interessante do ponto de vista da
autoridade civil, usa a expressão “não havia rei em Israel” por quatro vezes,
sendo que no último versículo do Livro o autor do texto faz uma clara alusão à
necessidade da monarquia em Israel, acrescentando ao fato de não haver rei a
afirmação de que “cada um fazia o que achava mais reto”. [38]
Torna-se
evidente a necessidade de uma autoridade civil em Israel, de acordo com o autor
do texto, na narrativa sobre a mulher de um levita que foi vítima de abuso
sexual e de homicídio em Belém de Judá. O autor inicia essa narrativa afirmando
que “não havia rei em Israel”, e a conclui acrescentando que “cada um fazia o
que achava mais reto”. É uma longa
narrativa, que se estende do Cap. 19 ao final do Livro, e trata-se de “uma das
mais violentas passagens da Bíblia Hebraica”, e o fato narrado chamou a atenção
de Rousseau, que em 1781 publicou um texto intitulado Le Lévite d'Ephrạim.[39]
Comparando
essa ausência de autoridade narrada em Juízes ao Cap. XIII do Leviatã, não seria difícil admitir que o
autor do texto era a favor de uma comunidade que tivesse um soberano, isto é,
um poder comum que mantivesse a todos em respeito, sem o que, de acordo com
Hobbes, é impossível que os homens tirem do convívio algum prazer.
Hobbes
procurará definir de forma cabal a autoridade do soberano citando o I Livro de
Samuel, no qual se narram os direitos do rei que haveria de ser constituído
sobre Israel, a pedido do povo. O povo declarou a Samuel:
Teremos um rei sobre nós. Para
que sejamos também como todas as nações; o nosso rei poderá governar-nos, sair
adiante de nós, e fazer as nossas guerras. Então o Senhor disse a Samuel:
Atende à sua voz, e estabelece-lhes um rei. [40]
Hobbes afirma
que os direitos do rei de Israel são próprios de uma soberania absoluta, pois
diz o texto de I Samuel:
Estes serão os direitos do rei que houver de reinar
sobre vós: ele tomará os vossos filhos, e os empregará no serviço dos seus
carros, e como seus cavaleiros... outros para lavrarem os seus campos... e
outros para fabricarem as suas armas de guerra... tomará as vossas filhas...
tomará o melhor das vossas lavouras e os dará aos seus servidores... também
tomará os vossos servos... e os vossos melhores jovens... dizimará o vosso
rebanho e vós lhe sereis por servos. [41]
Com
base em tais afirmações, Hobbes afirma que “onde a autoridade do rei melhor
está definida é nas palavras de Deus mesmo... E um tal poder não é absoluto? E
no entanto foi Deus mesmo quem o chamou de o direito do rei”.[42]
Ele observa que o primeiro rei de Israel, Saul,
detinha os poderes de julgar e de comandar o povo na guerra, o que significava
que seu poder era absoluto. Por outro lado, como o poder de julgar é
subordinado ao soberano, Hobbes observa que a interpretação de um juiz “não é
autêntica por ser sua sentença pessoal, mas por ser dada pela autoridade do
soberano”.[43] Da mesma forma, em relação à guerra, assevera o filósofo, o soberano
tem o poder de decidir quando ela é necessária para manter a paz e a segurança
e, mesmo que não seja o comandante das tropas na guerra, “seja quem for o
escolhido para general de um exército, aquele que possui o poder soberano é
sempre o generalíssimo”.[44] Esse poder, pois, se concentrava em Saul, e independente de ser ele,
temporariamente, rei, tal poder faz parte da essência da soberania,
como vimos ao tratar da Soberania no Cap. III.
Hobbes,
além de afirmar que a origem da soberania estava no povo, ressalva, com base
nas palavras de Samuel, que o povo e o rei não seriam bem sucedidos caso se
desviassem dos caminhos de Deus. O texto de Samuel que lhe serve de referência
diz: “Se temerdes ao Senhor, assim vós como o vosso rei que governa sobre vós,
bem será. Se, porém, perseverardes em fazer o mal, perecereis, assim vós com o
vosso rei”. [45]
Porém,
na realidade, essas palavras atribuídas a Samuel são lidas por Hobbes, em
relação ao caráter absoluto do poder, apenas como conselhos para o rei. O mesmo
ele fará em relação a outros profetas, aos apóstolos e ao próprio Papa. Tais
pessoas podem servir como conselheiros e mestres, e como intercessores diante
de Deus face a algum problema social ou político. No caso de Israel, após
a deposição de Samuel da função de juiz, o exercício conjunto da judicatura e
do cargo de comandante-em-chefe passou a residir no rei Saul e, posteriormente,
em seus sucessores. Quanto ao profeta, vocação que
Samuel também tinha, ele passará em Israel a sujeitar-se aos reis, sendo
frequentemente perseguido por denunciar injustiças e chamar os reis ao
arrependimento e ao retorno à aliança primordial com Deus.
Ainda em
relação à obediência ao poder constituído, Hobbes refere-se a dois textos que
narram oportunidades que Davi teve de matar o rei Saul, que o perseguia,
observando que Davi não o matou por respeitá-lo como ungido do Senhor e,
portanto, como soberano absoluto. Mais tarde, Davi manteve esse princípio ao
ordenar a execução do soldado que veio a executar o rei Saul, mesmo tendo-o
feito em obediência a uma ordem do próprio Saul que, ferido numa batalha, não admitiu
ser morto por um adversário.
Hobbes
argumenta em torno dessas narrativas em defesa do poder absoluto do soberano e
da obediência dos súditos. Davi afirmara, na primeira ocasião, que Saul não lhe
poderia resistir, pois estava indefeso, dormindo numa caverna, dizendo, numa
visão teocrática da soberania: “O Senhor me guarde de que eu faça tal cousa ao
meu senhor, isto é, que eu estenda a mão contra ele, pois é o ungido do Senhor”.
[46] E também, noutra ocasião
em que Saul esteve sob suas mãos, ele disse: “Quem haverá que estenda a mão
contra o ungido do Senhor, e fique inocente?”.[47] Para Hobbes, essas
narrativas reforçam o caráter absoluto da soberania e a necessidade da
obediência e do respeito dos súditos à instituição da autoridade civil.
Quanto
a Salomão, seu poder se estendeu claramente à religião. O sucessor de Davi, tão
laureado por sua sabedoria, do ponto de vista político é um dos mais realistas
personagens da Bíblia. Assim que assumiu o trono ele expulsou a Abiatar,
“para que não mais fosse sacerdote do Senhor”, e o substituiu por Zadoque. [48]
Dessa narrativa
Hobbes enfatiza o poder de demissão e de nomeação do soberano civil sobre a
religião, encontrando na Bíblia, novamente, argumentos para corroborar sua tese
da submissão da religião ao poder civil.
O realismo de Salomão e sua interferência na religião vai
mais além, pois ele ordenou também a morte de Joabe, ex-comandante do exército
de Davi, junto ao altar, o que era proibido pela Lei de Moisés, que dizia que
se alguém adentrasse o tabernáculo e segurasse nas pontas (ou chifres) do
altar, não poderia ser morto.[49] Porém,
quando Joabe, sabendo que seria morto por Salomão por ter apoiado a Adonias,
filho mais velho de Davi, na sucessão deste do trono, refugiou-se no
tabernáculo do Senhor e segurou nas pontas do altar. Mesmo assim Salomão
ordenou a sua morte, dizendo inicialmente a Benaia, comandante da guarda real:
“Vai, arremete contra ele”. E depois lhe deu uma ordem ainda mais realista,
quando Joabe se recusou a sair do lugar santo: “Arremete contra ele e sepulta-o”. E tendo feito como
Salomão lhe ordenara, Benaia foi elevado a comandante de seu
exército. [50]
- Estariam
sendo dados os passos em direção a uma submissão da Religião ao Estado em
Israel, de forma realista? Parece que sim, pois Hobbes afirma no Cap. XL do
Leviatã:
Salomão
destituiu Abiathar de ser sacerdote perante o Senhor. Tinha portanto autoridade
sobre o Sumo Sacerdote como sobre qualquer súdito, o que é uma grande marca de supremacia
em religião. Dedicou o templo, abençoou o povo, e fez aquela excelente oração,
usada na consagração de todas as igrejas e casas de oração, o que é uma outra
grande marca de supremacia em religião. Quando havia questão a respeito do
livro da lei encontrado no templo, a mesma não era decidida pelo Sumo
Sacerdote, mas Josias enviou-o e a outros para inquirirem a tal respeito junto
de Hulda, a profetiza, o que constituiu uma outra marca da supremacia em religião.
Davi tornou Hashabiah e seus irmãos oficiais de Israel, em todos os negócios do
Senhor e no serviço do rei.... Não é isto o pleno poder, tanto temporal como
espiritual, como lhe chamam aqueles que o dividem? [51]
Na realidade,
diz Hobbes, esse poder é único. Assim, na conclusão do argumento citado acima
ela afirma, sobre a pretensa divisão do poder entre temporal e espiritual:
Desde
a primeira instituição do reino de Deus até ao cativeiro, a supremacia da
religião estava nas mesmas mãos que a da soberania civil, e o oficio de
sacerdote depois da eleição de Saul não era magisterial, mas ministerial.
[52]
Hobbes encontra,
portanto, bases bíblicas suficientes para a submissão da Igreja ao Estado, o
que era necessário devido tanto à natureza do assunto do qual ele tratava
quanto à mentalidade de sua época, e muito mais, porque tanto o livro sagrado
quanto a sua interpretação eram tidos como patrimônio da Igreja.
Concluindo
esta abordagem, observemos que Hobbes cita a
narrativa bíblica sobre o General sírio Naaman como exemplo de obediência civil
e de fé em Deus ao mesmo tempo, o que pode ser visto como um reconhecimento
da necessidade da obediência civil pelo
profeta Eliseu, e também em relação à tolerância religiosa.
O texto diz que, depois de ter sido curado de lepra sob a
ordem do profeta Eliseu de banhar-se sete vezes no Rio Jordão, o General lhe
disse que não mais ofereceria holocausto nem sacrifício a outros deuses, mas
apenas ao Deus de Israel. Contudo, fez uma ressalva em relação à religião de seu
soberano, nos seguintes termos:
Nisto perdoe o Senhor a teu servo; quando o meu senhor entra na
casa de Rimom para ali adorar, e ele se encosta na minha mão, e eu também me
tenha de encurvar na casa de Rimom, quando assim me prostrar na casa de Rimom,
nisto perdoe o Senhor a teu servo. Eliseu lhe disse: Vai em paz. [53]
Hobbes cita essa
passagem no Cap. XLII do Leviatã em
relação à obediência ao poder civil, do qual vem a legitimidade sobre a
religião, afirmando, em primeiro lugar:
A fé é uma dádiva de Deus, que o homem é incapaz de dar ou tirar
por promessas de recompensa ou ameaças de tortura. Mas se além disso se
perguntar: E se nos for ordenado por nosso príncipe legítimo que digamos com
nossa boca que não acreditamos, devemos obedecer a essa ordem? A afirmação com
a boca é apenas uma coisa externa, não mais do que qualquer outro gesto
mediante o qual manifestamos nossa obediência; o que qualquer cristão,
mantendo-se em seu coração firmemente fiel à fé de Cristo, tem a mesma
liberdade de fazer o que o profeta Eliseu concedeu a Naaman, o sírio.[54]
Em segundo lugar, Hobbes afirma:
Tudo aquilo que um súdito, como era o caso de Naaman, é obrigado a
fazer em obediência a seu soberano, desde que o não faça segundo seu próprio
espírito, mas segundo as leis de seu país, não é uma ação propriamente sua, e
sim de seu soberano; e neste caso não é ele quem nega Cristo perante os homens,
mas seu governante e as leis de seu país.[55]
Assim,
resta legitimada a obediência civil, e a fé continua sendo algo do interior do
homem, como no belo exemplo de Naaman, do qual, se fizermos uma leitura mais
atenta do Evangelho, veremos que é perfeitamente justificável, pois o próprio
Cristo disse: “O Reino de Deus está dentro de vós”.[56]
[1]
Leviatã, op. cit., Cap. XXXII, p. 221.
[2]
Idem, Cap. XLIII, p. 350
[3] Idem
[4] Idem
[5] The Authorized King James Version (KJV) of
1611: http://www.jesus-is-lord.com/thebible.htm
[6] A. P. Martinich. A Hobbes Dictionary. “Bible”. Oxford: Backwell, 1996.
Disponível em: http://www.blackwellreference.com.
A expressão “Criticismo Literário” é usada por Martinich em relação à leitura
hobbesiana da Bíblia (p. 50ss). Ver também Leviatã,
Caps. XXXII, XXXIII e outras observações de Hobbes, na mesma obra, sobre a
história da redação dos textos bíblicos e de sua forma atual no Cânon,
principalmente em relação ao AT, das quais tratamos aqui brevemente..
[7] Eis os textos em que essas expressões aparecem: Êx
17:14; Êx 24:3s; Êx 34:28; Nm 33:2; Dt 31:9, que diz: “Esta lei escreveu-a
Moisés e a deu aos sacerdotes”, o que corrobora a tese de Hobbes sobre o reino
sacerdotal em Israel; Dt 31:22; Dt 31:24. Observe-se que em Dt 10: 4 afirma-se
que “escreveu o Senhor nas tábuas, segundo a primeira escritura, os dez
mandamentos”. Hobbes diria, porém, pela razão natural, que foi Moisés quem
escreveu, pois o texto tem um claro caráter confessional e de doação de sentido
à realidade ao povo que estava no cativeiro babilônico quando da redação do
Deuteronômio.
[8] Js 24:26
[9] Em relação ao Livro de Juízes, destacam-se os
seguintes trechos que confirmam isso: 1:21; 1: 26; 6:24; 10:4; 15:19, nos quais
aparece, após a narrativa, a afirmação: “até ao dia de hoje”.
[10]Jz 18:30
[11]
Jz 17:6
[12]
Rt 1:1
[13]
Jz 1:1
[14] Ver, respectivamente, sobre os livros citados: Nm
21:14; Js 10:13 e II Sm 1:18; I Cr 29:29; I Rs 11:41; I Rs 14:19 e I Rs 14: 29.
Há também outras referências sobre o Livro da História dos Reis de Israel: I Rs
15: 31, 16:5, 14 e 20; 22:39; II Rs 1:18; 10:34; 13:8 e 12; 14:15 e 28; 15:11 e
15 etc., bem como sobre o Livro da História dos Reis de Judá: 15: 7 e 23; I Rs
22: 46; II Rs 8:23; 12:19; 14:18; 15:6 etc. Os escritores também se serviam de
cartas, como as mencionadas em II Sm 11, em Rs 21:11 e também de muitas outras,
mencionadas tanto nos livros históricos quanto nos proféticos, bem como de
documentos reais e da tradição oral.
[15] Gn 5,1
[16] Leviatã, op. cit., Cap. XXXIII, p. 228-229. Hobbes já pudera ter conhecimento
de que “Ezequiel, Daniel, Ageu e Zacarias profetizaram no cativeiro”. Quanto ao
Livro de Daniel, posteriormente a crítica bíblica demonstrou que parte de seu
conteúdo é de caráter apocalíptico, mas de fato o livro descreve o sítio de
Jerusalém por Nabucodonosor e fatos ocorridos na Babilônia durante o cativeiro
que se seguiu.
[17] Idem, p. 229. Nesse ponto ele cita II Ed 14: 21 e 22.
Não só aí ele se refere a textos considerados apócrifos para o Protestantismo,
mas também na obra Do Cidadão.
[18] Afirmação é do Prof.
Aloisyus P. Martinich, da Universidade do Texas, em gentil mensagem a nós
enviada por email em 14/11/ 2007.
[19] Leviatã,
op. cit., Cap. XXXI, p. 201
[20]
Do Cidadão, op. cit., p. 17.
[21] Dez Mandamentos é a tradução do Hebraico: “Assêret Hadibrot”, termo também traduzido como Dez Falas ou Dez Ditos:
“São dez princípios que incluem toda a Torá e seus 613 preceitos,
inclusive estes dez”. (Fonte: www.chabad.org.br).
[22] Leviatã, Cap. XXX, p. 203
[23]Em relação ao nome de
Deus, Santo Tomás afirma que “se existisse algum nome imposto para significar
Deus, não em sua natureza, mas como sujeito, enquanto ele é tal ser, esse nome
seria, de qualquer modo, incomunicável, como se dá, talvez com o tetragrama
entre os hebreus”. (Suma Teológica,
Q. XIII, Art. IX. Trad. de Alexandre Correia. Os Pensadores, Vol. VIII. S. Paulo: Abril, 1973, p. 123)
[24] Leviatã,
XXX, p. 203s
[25] Idem, p. 200. Hobbes
tratara desses “direitos essenciais da soberania” no Cap. XVIII do mesmo.
[26]
Idem, p. 204.
[27] Idem.
[28]
Ec 12,13
[29] Mt 22:21
[30]
Jó 41.24 na Vulgata Latina e 41.33 na Versão de Almeida.
[31]
Do Cidadão, op. cit., p. 195 a 201,
especialmente.
[32]
Cf. Leviatã, Cap. XXXV.
[33] Ex 20:18-19 e 21
[34] Jz 9: 12
[35] Jz 9: 16
[36] Do Cidadão, loc. cit.
[37] Jz 17: 6
[38] Na sequência, pois, a
expressão aparece em Jz 17.6; 18.1; 19.1 e 21.25.
[39] Para mais detalhes, ver Micahel S. Kochin: Living with the Bible: Jean-Jacques Rousseau
Reads Judges 19-21: http://www.hpstudies.org (consulta em 11-05-2012).
[40] I Sm 8,19-20 e 22
[41]
I Sm 8, 11-18
[42]
Do Cidadão, p. 201.
[43]
Leviatã, op. cit., Cap. XXVI, p. 167.
[44] Idem, Cap. XVII, p. 110.
Hobbes afirma que também o Parlamento está sujeito ao soberano, pois a
assembléia não “adquiriu o poder Legislativo”, e o soberano pode dissolvê-lo
(Idem, Cap. XXVI, p. 163).
[45]
I Sm 12: 14 e 25
[46]
I Sm 24:6
[47] I Sm 26:9
[48] De forma abreviada, em I
Rs 2:26-27 e 35 lê-se: “Disse o rei: Vai para Anatote, para teus campos, porque
és homem digno de morte. Expulsou, pois, Salomão a Abiatar, para que não mais
fosse sacerdote do Senhor. E em lugar de Abiatar constituiu a Zadoque por
sacerdote”.
[49] Os chifres ou cornos eram
vistos em Israel como símbolo de poder e de salvação. Por isso, a tradução de
Almeida de Lucas 1.68 dizia originalmente: “E nos levantou o corno da salvação na casa de Davi seu servo”, o que na Edição Revista e
Atualizada, para evitar algum mal entendido em relação à nossa cultura, foi
alterado para: “E nos suscitou plena e
poderosa salvação na casa de Davi, seu servo”.
[50] I Rs 2.28-31.
[51]
Leviatã, op. cit. Cap. XL, p. 283.
[52]
Idem
[53]
II Rs 5.18-19.
[54]
Leviatã, op. cit., Cap. XLII, p. 295
[55]
Idem.
[56]
Lc 17.21