sexta-feira, 22 de julho de 2011

As Leis Civis e o Poder Eclesiástico em Hobbes

Em Hobbes está presente, acima de tudo, o direito do cidadão e a necessidade de sua garantia pelo Estado, tanto que “a obrigação dos súditos dura enquanto, e apenas enquanto, dura também o poder mediante o qual ele é capaz de protegê-los”. (Leviatã, Cap. XXI).

É isso que o leva a afirmar que “o direito que por natureza os homens têm de defender-se a si mesmos não pode ser abandonado através de pacto algum”. Isso se refere, naturalmente, aos alegados pactos com Deus, os quais Hobbes afirma serem impossíveis: “Homem algum pode firmar convenções com Deus, ou obrigar-se para com ele por meio de um voto, exceto na medida em que, conforme dizem as Sagradas Escrituras, Deus pôs em seu lugar certos homens, que, portanto, têm autoridade para aceitar tais votos em seu nome. (Leviatã, Cap. II).

Sobre a natureza da soberania, Hobbes afirma que ela é “imortal, na intenção daqueles que a criaram”, porém “encontra-se, por sua própria natureza, sujeita à morte violenta através da guerra exterior”, bem como devido às paixões e à ignorância do homem e, ainda, pode partir da própria instituição, pois nela pode ser lançado “grande número de sementes de mortalidade, através da discórdia intestina”.
Hobbes utiliza termos da psicologia antiga e da pneumatologia ao afirmar, em relação à soberania e à obediência civil, que “a soberania é a alma do Estado, e uma vez separada do corpo os membros deixam de receber dela seu movimento”. (Leviatã, Cap. XXI).

A obediência tem como fim, não o despotismo, mas a proteção dos súditos:
“O fim da obediência é a proteção”. (Idem).

Ao examinar as leis de natureza, Hobbes também demonstra um enfrentamento da instituição eclesiástica, e isso se mostra com evidência na afirma cão de que “ninguém pode fazer leis senão o Estado, pois nossa sujeição é unicamente para com o Estado”. (Leviatã, Cap. XXVI).

Ao falar da aplicação da lei, observa tanto seu caráter geral quanto particular:
“Algumas leis são dirigidas a todos os súditos em geral, algumas só a determinadas províncias, outras a determinadas vocações e outras a determinadas pessoas”. (Idem).

Possivelmente ele se refira ao exercício das vocações sacerdotais, cujos profissionais também estão sujeitos ao poder civil. Isso pode ser relacionado, também, ao que ele afirma, ao mesmo tempo, sobre o ensino das doutrinas religiosas, isto é, ele era contrário à sujeição de toda pessoa que ensinasse as Escrituras e o Evangelho à instituição eclesiástica. Para Hobbes, a pregação e o ensino do Evangelho e das Escrituras não deveriam ser restritos aos ordenados, mas, desde que o Estado os permitisse, poderiam ser feitos por qualquer cidadão, pois do contrário a Igreja estaria negando uma liberdade legítima, isto é, concedida pelo poder civil.

Observe-se que, de acordo com seu pensamento nenhuma doutrina contrária à paz civil deverá ser ensinada. Hobbes, ao contrário de ser absolutista nesse caso, quando submete a Religião ao poder civil está contribuindo para a tolerância religiosa.

Fica evidente também que é o Estado, por ter o poder de tornar a lei válida, a qual, por isso, é lei civil, quem determina o que é justo e injusto, não outra instituição qualquer, “não havendo nada que não seja considerado injusto e não seja contrário a alguma lei” e também que a sujeição é ao Estado unicamente, pois “ninguém pode fazer leis a não ser o Estado, pois nossa sujeição é unicamente ao Estado”. (Idem).

Nesse caso, Hobbes não só refuta a obediência à Igreja em lugar da obediência ao Estado, como também às palavras reveladas e ao próprio Deus, pois para Hobbes o tempo da profecia ficou para trás e é impossível confirmar o que Deus de fato disse e quando o fez. É o Estado laico de Hobbes, falível, um deus mortal, abaixo do Deus imortal, porém, é ele quem que resolve os problemas da paz civil, da cidade do homem.

Hobbes relembra que o Estado é o poder que costuma defender os homens de seus inimigos, proteger a sua indústria e garantir a justiça quando eles são ofendidos. Porém, observa que apesar disso há homens que, por ignorância e ousadia, não respeitam esse poder, porém o Estado, “tendo sido constituído pelo consentimento de todos deve considerar-se que é suficientemente conhecido por todos”. (Idem).

Ao evocar as leis de natureza afirma que esse poder não deve ser enfraquecido por ninguém, pois sua proteção “todos pediram ou conscientemente aceitaram contra outros”. (Idem). Sem dúvida, trata-se de um pensamento cujo objetivo é a pacificação, a qual é impossível sem a obediência.

Para que se alcance esse objetivo, as doutrinas contrárias à paz não deveriam ser ensinadas. Dessa forma, o critério da verdade de uma doutrina é a sua capacidade de pacificação. Assim, Hobbes afirma: “Embora em matéria de doutrina não se deva olhar a nada senão à verdade, nada se opõe à regulação da mesma em função da paz. Pois uma doutrina contrária à paz não pode ser verdadeira”. (Leviatã, Cap. XVIII).

No Cap. XXXI do Leviatã, intitulado “Do Reino de Deus por natureza”, Hobbes voltará a tratar da obediência, relembrando as seguintes teses:
A)Na condição de simples natureza há absoluta liberdade, não há súdito nem soberano, “é anarquia e condição de guerra”;
B)As leis de natureza são os preceitos pelos quais os homens são levados a evitar essa condição;
C)“Um Estado sem soberano não passa de uma palavra sem substância e não pode permanecer”;
D)E por fim, como corolário, que “os súditos devem aos soberanos obediência simples em todas as coisas... de onde se segue que sua obediência não é incompatível com a lei de Deus.

E para que o problema da obediência fosse examinado de forma completa, Hobbes exporá sobre o que se entende por lei de Deus, pois sem esse conhecimento o homem de seu tempo não poderia saber se o que o poder civil lhe ordenava era contrário à lei de Deus, ficando assim esse homem num grande dilema, assim definido pelo filósofo:
“Ou por uma excessiva obediência civil ofende a Majestade Divina, ou com receio de ofender a Deus transgride os mandamentos do Estado”. (Leviatã, Cap. XXXI).

E seu texto é tão coerente que no Cap. I do Leviatã, intitulado “Da Sensação”, ele já afirmara, relacionando religião e obediência civil:
“Se desaparecesse esse temor supersticioso dos espíritos, e com ele os prognósticos tirados dos sonhos, as falsas profecias, e muitas outras coisas dele decorrentes, graças às quais pessoas ambiciosas e astutas abusam da credulidade da gente simples, os homens estariam muito mais bem preparados do que agora para a obediência civil”.