sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

A Religião, o Conhecimento de Deus e o seu Reino em Hobbes: Uma Introdução.

Dedico este texto ao Rev. Assir Pereira, por sua humildade e dedicação ao Reino de Deus!

No Cap. XII do Leviatã Hobbes trata da Religião, mostrando que ela é peculair ao homem. Aí ele examina as Religiões dos Gentios, baseadas no medo, e mostra seu uso na política de forma oportunista, como se a vontade das autoridades civis fosse a vontade de Deus. Aí ele também trata da Religião dos que buscam as causas das coisas, os quais chegaram à concepção de uma causa não causada, à qual “os homens dão o nome de Deus”, o que, de acordo com o filósofo, foi reconhecido mesmo entre os pagãos. Porém, entre eles não havia necessariamente a adoração do Deus único, o qual, apesar de ser adorado mesmo antes de Abraão, como por Abel, Enos, Noé, Melquisedeque, escolheu revelar-se de forma especial a Abraão e a seus descendentes, com quem selou aliança, a qual, mais adiante, foi selada com o povo, sob a mediação de Moisés, líder civil e religioso, e grande guerreiro. Mas no citado capítulo do Leviatã Hobbes apenas menciona isso, prometendo ao leitor que examinará essa questão nas Partes III e IV da obra.

Vejamos, então, o que ele afirma sobre a natureza religiosa do homem, para enfim expormos de forma introdutória seu pensamento sobre o Reino de Deus: "Verificando que só no homem encontramos sinais, ou frutos da religião, não há motivo para duvidar que a semente da religião se encontra também apenas no homem, e consiste em alguma qualidade peculiar, ou pelo menos em algum grau eminente dessa qualidade, que não se encontra nas outras criaturas vivas”.

Ele relaciona o desejo do conhecimento das causas com o reconhecimento de um único Deus eterno, como podemos verificar nas afirmações seguintes: “O reconhecimento de um único Deus eterno, infinito e onipotente pode ser derivado do desejo que os homens sentem de conhecer as causas dos corpos naturais, e suas diversas virtudes e operações, mais facilmente que do medo do que possa vir a acontecer-lhes nos tempos vindouros. Aquele que de qualquer efeito que vê ocorrer... mergulhe profundamente na investigação das causas, deverá concluir que necessariamente existe um primeiro motor. Isto é, uma primeira e eterna causa de todas as coisas, que é o que os homens significam com o nome Deus".

Para Hobbes, porém, a rigor, Deus, devido à sua natureza, não é um objeto de estudo da Filosofia. Ele definira isso bem antes, n´Os Elementos da Lei Natural e Política (1640), ao afirmar: “Assim como Deus Todo-Poderoso é incompreensível, segue-se que nós não podemos ter uma concepção ou imagem da Divnidade, e consequentemente todos os seus atributos significam a nossa inabilidade e impotência para conceber qualquer coisa concernente à sua natureza, e não alguma concepção sua, excetuando-se apenas esta, que existe Deus. Afinal, os efeitos que naturalmente reconhecemos envolvem uma potência que os produziu antes que eles tivessem sido produzidos; e essa potência pressupõe alguma coisa existente que a tenha enquanto potênca. E a coisa que assim existe como potência para produzir, se não fosse eterna, deveria ter sido produzida por alguma outra anterior a ela, e esta novamente por outra anterior a ela, até que chegássemos a uma eterna, ou seja, à potência primeira de todas as potências, e causa primeira de todas as causas. E esta é aquela que todos os homens concebem pelo nome de Deus, envolvendo eternidade, incompreensibilidade e onipotência. E então todos que o considerarem poderão saber que Deus existe, mas não o que ele é. Mesmo num homem que tenha nascido cego, embora não seja capaz de ter qualquer imaginação acerca de que tipo de coisa é o fogo, ainda assim ele não pode deixar de saber que existe alguma coisa a que os homens dão o nome de fogo, porque ela o esquenta”.

Também na obra Sobre o Corpo Hobbes afirma que Deus é “eterno, não-gerado, incompreensível”. E na obra Do Cidadão explica que “eterno” significa fora do tempo. Ora, isso só pode ser entendido como uma forma de demonstrar a veneração de Deus, pois se tudo o que existe está no tempo, logo não existiria Deus. Porém ao chamá-lo de eterno, certamente o homem está querendo dizer que Ele, apesar de estare no tempo, não tem uma existência tempoalmente limitada. Porém, explicar a sua natureza não é possível.

No Leviatã ele reafirmará que a linguagem usada em relação à natureza de Deus é uma forma de veneração, pois, por um lado, afirma ele, “seja o que for que imaginemos é finito”, e por outro lado, as afirmações de “que alguma coisa está toda neste lugar, e toda em outro lugar ao mesmo tempo; que duas, ou mais coisas, podem estar num e no mesmo lugar ao mesmo tempo: nenhuma destas coisas jamais ocorreu ou pode ocorrer na sensação; mas são discursos absurdos, aceitos pela autoridade (sem qualquer significação) de filósofos iludidos, e de escolásticos iludidos, ou iludidores”.

Sendo assim, é forçoso em seu raciocínio afirmar, sobre o conhecimento de Deus e a sua veneração: “Quando dizemos que alguma coisa é infinita, queremos apenas dizer que não somos capazes de conceber os limites e fronteiras da coisa designada, não tendo concepção da coisa, mas de nossa própria incapacidade. Portanto o nome de Deus é usado, não para nos fazer concebê-lo (pois ele é incompreensível e sua grandeza e poder são inconcebíveis), mas para que o possamos venerar”.

Quanto ao medo como origem das religiões dos gentios, afirma o filósofo: “Alguns dos antigos poetas disseram que os deuses foram criados pelo medo dos homens, o que quando aplicado aos deuses (quer dizer, aos muitos deuses dos gentios), é muito verdadeiro”.

Esses deuses, inventados devido à ignorância que a maioria dos homens têm das causas, eram tantos que Hobbes observa “que havia entre os pagãos quase tão grande variedade de deuses como de atividades”.

Mas as sementes da religião, além de serem cultivadas por homens que “as alimentaram e ordenaram segundo sua própria invenção”, como os gentios, também foram cultivadas por aqueles “que o fizeram sob o mando e direção de Deus”. Porém, Hobbes afirma que o objetivo, em ambas as espécies de religião era levar os que confiavam em seus autores a “tender mais para a obediência, as leis, a paz, a caridade e a sociedade civil”.

A primeira espécie de religião faz parte da política humana, enquanto a segunda “é a política divina, que encerra preceitos para aqueles que se erigiram como súditos do Reino de Deus” e deste fazem parte, afirma Hobbes, “Abraão, Moisés e nosso abençoado Salvador, dos quais chegaram até nós as leis do Reino de Deus”.

E Hobbes define bem claramente quem participa do Reino de Deus, ao dizer: “No reino de Deus, não consideramos como seus súditos os corpos inanimados ou irracionais, embora estejam subordinados ao poder divino; e não os contamos, porque eles não entendem o que sejam os mandamentos e ameaças de Deus; nem tampouco os ateus, porque não acreditam que Deus exista; nem mesmo os que, acreditando na existência de Deus, não crêem, contudo, que ele governe estas coisas inferiores; pois estes últimos, embora sejam governados pelo poder de Deus, não reconhecem, porém nenhum de seus mandamentos, nem temem suas ameaças. Considera-se pertencente ao reino de Deus, portanto, apenas esses que confessam ser ele o regente de todas as coisas, e acreditam que ele tenha dado mandamentos aos homens, e fixado castigos para quem os descumprir. Os demais não devemos chamar súditos, mas inimigos, de Deus”. (Do Cidadão, Parte III: Religião)